13 de Outubro de 2009 às 11:54

Valor: Ofensiva da Caixa pela folha de servidores irrita concorrência

Valor Econômico
Vanessa Adachi e Raquel Balarin, de São Paulo


A Caixa Econômica Federal (CEF), controlada pelo Tesouro Nacional, é pivô de uma disputa sem precedentes dentro da Febraban, a federação que reúne a banca nacional, em torno das folhas de pagamento de servidores municipais e estaduais. Os grandes bancos privados - Bradesco, Itaú, HSBC e Santander - e até o Banco do Brasil, igualmente controlado pelo governo federal, têm apresentado queixas formais contra a Caixa, acusando-a de instigar prefeituras e governos estaduais a romper contratos para administração da folha de pessoal. Por ser banco público, a Caixa pode assumir as folhas sem licitação pública.


Na última reunião mensal realizada pela subcomissão de negócios com o setor público da Febraban, no dia 18 de setembro, o clima esquentou. Em resposta às queixas, representantes da Caixa têm dito aos outros bancos que a conquista de novas folhas de pagamento é uma determinação da cúpula do banco e faz parte da estratégia traçada.

Foi o que disse também ao Valor o vice-presidente de Finanças da Caixa, Márcio Percival (ver reportagem na página C3).


Ao acenar com preços mais altos para assumir as folhas, a Caixa tem capturado a atenção das prefeituras, que se ressentiram com a queda da arrecadação ocasionada pela crise neste ano.


Os bancos sentiram o movimento da Caixa ganhar força a partir de março. Estimativas com base nas queixas apresentadas à Febraban indicam que ao menos 80 municípios romperam seus acordos com outras instituições neste ano, substituindo-as pela Caixa. A ofensiva do banco federal se mostrou mais forte em Santa Catarina, onde cerca de 50 prefeituras já estariam em contato com a Caixa, sendo que dez já lhe entregaram suas folhas. Em alguns casos, os bancos tomam ciência do cancelamento quando não recebem das prefeituras os arquivos de dados para pagamento no fim do mês.


A agressividade negocial incomoda até mesmo o Banco do Brasil, que já perdeu as contas de municípios como Embu e e Santa Cruz das Palmeiras, em São Paulo. O BB detém cerca de 65% do mercado de folhas de salários de funcionários públicos municipais e estaduais, o que torna inevitável que, em sua ofensiva para ganhar mercado, a Caixa atravesse o caminho do Banco do Brasil, gerando uma situação particularmente desconfortável entre as duas instituições federais. Procurado, o BB informou que não comentaria o assunto.


No passado recente o BB foi alvo de queixas semelhantes por parte dos bancos privados. Mas, segundo o relato de executivo de um banco, o caso da Caixa supera o do BB em termos de agressividade.


Curioso é que a maioria das licitações de folhas deste ano fracassou por falta de interesse dos bancos - de pouco mais de 200 leilões, cerca de 180 fracassaram. Além disso, o movimento da Caixa acontece quando falta pouco mais de dois anos para que a portabilidade de contas seja estendida aos funcionários públicos.


Os contratos, que têm prazo de cinco anos, preveem pagamento de multa corrigida por índice de preço em caso de rompimento. Mas, na maioria dos casos, as prefeituras não pagam as multas, segundo a queixa dos bancos, que têm recorrido à Justiça. Cálculos feitos até agora indicam que as perdas por penalidades não pagas chegam a R$ 80 milhões. Em geral, a multa é calculada pro-rata em relação ao período remanescente do contrato suspenso. "A agressividade excessiva está incomodando o sistema", diz o executivo de um banco. "Com esse apetite voraz, a Caixa tem extrapolado os limites", reclama outro.


Uma lista à qual o Valor teve acesso reúne alguns dos municípios que, segundo os bancos, teriam quebrado o contrato para transferir suas folhas de salários para a Caixa. Constam dela Barra Mansa (RJ), Santo Antonio de Pádua (RJ), Teófilo Otoni (MG), Umuarama (PR) e Lapa (PR), que tinham contrato com o Itaú Unibanco; São José (SC), Navegantes (SC) e Afogados da Ingazeira (PE), que eram atendidos pelo Bradesco; Caçador (SC), São Miguel do Oeste (SC), Morro da Fumaça (SC), que trabalhavam com o HSBC; Jataí (GO), Novo Hamburgo (RS), Imperatriz (MA) e Ferraz de Vasconcelos (SP), do Santander. O banco de origem espanhola estaria ainda sob risco de perder o contrato do governo da Paraíba para a Caixa.


O que os bancos dizem ao prestar queixa é que a Caixa conta com um arsenal imbatível para ganhar essas folhas, como linhas de financiamento para investimentos em infraestrutura de toda sorte, além de repasse de recursos federais, inclusive do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC.


Hoje a Caixa tem menos de 10% das folhas de um universo de 5,5 mil municípios. Levando-se em conta as folhas de salários de Estados, sua fatia de mercado fica em torno de 5%. A agressividade de agora é vista como uma tentativa de reparar um erro estratégico do passado, quando a Caixa foi a única entre as grandes instituições que ficou de fora da disputa por folhas em meados da década.


O mal estar tem sido tanto dentro da Febraban que o tema, antes restrito à subcomissão dos negócios com o setor público, pode vir a ser tratado em instâncias superiores da casa. Procurados, além do Banco do Brasil, Itaú Unibanco, HSBC, Santander e Bradesco também preferiram não conceder entrevistas. Em nota, a Febraban informou que "não entra no mérito de assuntos concorrenciais a não ser que haja alguma irregularidade que seja reportada aos comitês pertinentes, de autorregulação ou de ética, o que não foi o caso".

Fonte: Valor Econômico

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